Um retrato de um senhor que é de barro. Ele olha admirado com o que lhe está a acontecer. deixo aqui um texto que escrevi há uns tempos sobre estas ideias do barro.
"A série de trabalhos que preparo, centrada especificamente no material que é o barro, vem no seguimento do programa de trabalho desenvolvido até aqui. Programa esse que assenta na construção de imagens onde a ideia de “crise ou cataclismo” está de alguma maneira presente e funciona como uma premissa, como ideia primeira para a criação de imagens, as quais representam uma espécie de “fim de festa” (que pode todavia funcionar como um começo).
Recorro ao uso de um espaço “arruinado” à “omnipresença da ruína”, a lugares que não existem, que são quase lugares do nada, sítios sem função, que foram projectados para determinada acção mas que ficaram desprovidos da sua função a meio do processo civilizacional, a meio de um projecto de desenvolvimento, daí a presença das fábricas que mal funcionam (ou não funcionam de todo), das casas esquecidas, dos caminhos inacabados (ou aproveitados/adaptados da erosão natural), as pedras que foram deixadas ao acaso.
É a partir desta ideia de falha, de interrupção de um processo, de um projecto: um projecto social, político, cultural, religioso, de construção daquilo que é a nossa índole, a nossa personalidade, a nossa existência enquanto seres individuais e colectivos. Tento, no fundo, ter presente a ideia de que há uma falha na construção do projecto que somos nós, que existe um momento em que falhamos e deixamos de ser quem afinal éramos (ou que era desejado que fossemos). É a partir desta ideia falhada de progresso, ou de progresso falhado que encontro a matéria do barro, da lama. Material que adquiriu ao longo do tempo uma simbologia de matéria primordial, de génese, de começo de vida, de criação, da criação do Homem, em particular, mas que simboliza também um “processo de involução” e o “começo da degradação”.
Segundo textos bíblicos Deus disse: “Até que voltes à terra de onde foste tirado porque tu és pó e ao pó voltarás”. A divindade condena o Homem à vida de esforço e privação alertando-o também para a sua fragilidade e efemeridade na terra. Apesar da Humanidade ser feita do pó da própria terra misturada com água e, apesar da terra ser a matéria de origem, ela é também símbolo do fim da nossa existência.
Deus lembra o Homem que este ciclo só existe, porque ele mesmo se permitiu a cria-lo e que portanto também ele tem o poder de o encerrar, de interromper a existência humana. Noutra passagem da bíblia, o barro é novamente usado como matéria que simboliza fragilidade: a da visão do rei Nabucodonosor, que sonha com uma estátua feita de pés de barro e com o corpo composto por vários metais. O rei sonha que os pés deste gigante são “esmigalhados” por uma pedra que vem a rolar e com o embate da pedra nos pés de barro e sua destruição esta criatura é transformada em pó e os seus vestígios levados pelo vento.
A Argila, o barro tem uma estreita relação com o acto criador, com o acto de criar, de construir, de tornar existente, presente.
O oleiro Butades ao preencher a silhueta de um jovem com barro, desenhada na parede pela sua filha, estava a tornar presente a figura deste jovem e a torná-la palpável, ao modelar a face em barro estava ele a criar a existência do jovem que partia para o estrangeiro.
Assim o barro, a argila é matéria de origem, matéria fecunda, elástica, moldável. Porém esta característica de matéria susceptível de ser moldada adquire também o significado de ser um material inconstante, passível de ser corrompido, facilmente modificado, inconsistente e as suas formas facilmente destruídas.
A lama, material composta pela junção da terra com a água tem simbologias antagónicas: do ponto de vista, do pó da terra, é um material fecundo, gerador de vida, se considerarmos a água, simboliza a poluição da pureza.
O Barro encontra na mitologia clássica, cristã, e nas demais crenças religiosas, duplos sentidos que assentam na ideia de origem e de criação do ser humano e tem também o significado da vulnerabilidade, da fraqueza e da inconsistência dos Homens e das suas acções.
Estas pinturas, estas imagens, com estas figuras de “formas amassadas”, estes “corpos de barro”, são “visões” de como seria se os seres humanos devido a uma entidade mística se transformassem em barro. Este material frágil, de consistência dúbia funciona como metáfora da instabilidade, da fraqueza dos Homens, reflexo dos seus comportamentos sociais e das suas decisões.
Recorrendo a este imagético mitológico, religioso, místico, a expressões populares sobre o barro, tento criar pictoricamente imagens que se refiram à dualidade desta matéria, à sua vulnerabilidade perante factores adversos à sua estabilidade, funcionando como metáfora do Homem."
Recorro ao uso de um espaço “arruinado” à “omnipresença da ruína”, a lugares que não existem, que são quase lugares do nada, sítios sem função, que foram projectados para determinada acção mas que ficaram desprovidos da sua função a meio do processo civilizacional, a meio de um projecto de desenvolvimento, daí a presença das fábricas que mal funcionam (ou não funcionam de todo), das casas esquecidas, dos caminhos inacabados (ou aproveitados/adaptados da erosão natural), as pedras que foram deixadas ao acaso.
É a partir desta ideia de falha, de interrupção de um processo, de um projecto: um projecto social, político, cultural, religioso, de construção daquilo que é a nossa índole, a nossa personalidade, a nossa existência enquanto seres individuais e colectivos. Tento, no fundo, ter presente a ideia de que há uma falha na construção do projecto que somos nós, que existe um momento em que falhamos e deixamos de ser quem afinal éramos (ou que era desejado que fossemos). É a partir desta ideia falhada de progresso, ou de progresso falhado que encontro a matéria do barro, da lama. Material que adquiriu ao longo do tempo uma simbologia de matéria primordial, de génese, de começo de vida, de criação, da criação do Homem, em particular, mas que simboliza também um “processo de involução” e o “começo da degradação”.
Segundo textos bíblicos Deus disse: “Até que voltes à terra de onde foste tirado porque tu és pó e ao pó voltarás”. A divindade condena o Homem à vida de esforço e privação alertando-o também para a sua fragilidade e efemeridade na terra. Apesar da Humanidade ser feita do pó da própria terra misturada com água e, apesar da terra ser a matéria de origem, ela é também símbolo do fim da nossa existência.
Deus lembra o Homem que este ciclo só existe, porque ele mesmo se permitiu a cria-lo e que portanto também ele tem o poder de o encerrar, de interromper a existência humana. Noutra passagem da bíblia, o barro é novamente usado como matéria que simboliza fragilidade: a da visão do rei Nabucodonosor, que sonha com uma estátua feita de pés de barro e com o corpo composto por vários metais. O rei sonha que os pés deste gigante são “esmigalhados” por uma pedra que vem a rolar e com o embate da pedra nos pés de barro e sua destruição esta criatura é transformada em pó e os seus vestígios levados pelo vento.
A Argila, o barro tem uma estreita relação com o acto criador, com o acto de criar, de construir, de tornar existente, presente.
O oleiro Butades ao preencher a silhueta de um jovem com barro, desenhada na parede pela sua filha, estava a tornar presente a figura deste jovem e a torná-la palpável, ao modelar a face em barro estava ele a criar a existência do jovem que partia para o estrangeiro.
Assim o barro, a argila é matéria de origem, matéria fecunda, elástica, moldável. Porém esta característica de matéria susceptível de ser moldada adquire também o significado de ser um material inconstante, passível de ser corrompido, facilmente modificado, inconsistente e as suas formas facilmente destruídas.
A lama, material composta pela junção da terra com a água tem simbologias antagónicas: do ponto de vista, do pó da terra, é um material fecundo, gerador de vida, se considerarmos a água, simboliza a poluição da pureza.
O Barro encontra na mitologia clássica, cristã, e nas demais crenças religiosas, duplos sentidos que assentam na ideia de origem e de criação do ser humano e tem também o significado da vulnerabilidade, da fraqueza e da inconsistência dos Homens e das suas acções.
Estas pinturas, estas imagens, com estas figuras de “formas amassadas”, estes “corpos de barro”, são “visões” de como seria se os seres humanos devido a uma entidade mística se transformassem em barro. Este material frágil, de consistência dúbia funciona como metáfora da instabilidade, da fraqueza dos Homens, reflexo dos seus comportamentos sociais e das suas decisões.
Recorrendo a este imagético mitológico, religioso, místico, a expressões populares sobre o barro, tento criar pictoricamente imagens que se refiram à dualidade desta matéria, à sua vulnerabilidade perante factores adversos à sua estabilidade, funcionando como metáfora do Homem."
Tiago Baptista, 2011
2 comentários:
Belo e fluido texto!
Gosto muito das pinturas.
Saudades*
D
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