quinta-feira, 24 de novembro de 2011



Há uns tempos idos em agosto fiz umas pinturas. fica aqui uma foto de uma delas e um pequenito texto em jeito de explicação!


Um sujeito fixa o olhar numa acção que acontece fora da tela, fora de si. Fuma um cigarro e apenas observa, enquanto é engolido pela terra. Tem o corpo preso à terra pantanosa que já não o deixará escapar-se. É engolido pela terra juntamente com o lixo, com as couves e tudo o resto com ele, o que está no fundo já não emergirá e o que ainda bóia naquela lama também não escapará. Permanece imóvel espreitando algo que acontece, talvez nem esteja a acontecer nada, talvez sejam somente outras pessoas, mais casas, mais lixo, mais lama, mais árvores, carros, cigarros…
Irremediavelmente tudo irá parar ao fundo.

domingo, 16 de outubro de 2011

O Cordeiro da Josefa visita o concelho de Óbidos
















Fui convidado para o Junho das ArtesItálico na vila da Óbidos para apresentar um trabalho centrado na ideia de fronteira e sobre a vila de Óbidos, o concelho, as cercanias. A ideia era desenvolver um projecto que tivesse presente os aspectos relativos as zonas circundantes da vila, a ruralidade, a farsa do pitoresco, o que se passa no oeste, no fundo o que se passa no resto do país, uma réplica, metáfora do resto. O fenómeno da ruína local como metáfora de um mundo em estado doente e moribundo, continuamente deixado ao abandono mas estranhamente habitado.
A relação que tenho com a vila de Óbidos é pouca, mas lá habitou e uma pintora pela qual tenho imenso carinho, por ser uma pintora mulher do século XVII, e pela sensibilidade e candura das suas pinturas, tem sido uma referência para mim, principalmente os seus AGNUS DEI, os cordeiros místicos prontos a serem imolados. Então surgiu a ideia de esse cordeiro passear-se pelo concelho a fim de redimir todas as trapalhadas e acidentes voluntários, cometidos ao longo dos tempos!
Ficam aqui umas imagens das aguarelas depois transformadas em postais distribuídos gratuitamente durante o período de exposição!

Residentes





























Em Abril último participei numa exposição no Atelier-Museu António Duarte nas Caldas da Rainha. Foi uma exposição que encerrava de alguma maneira o periodo de residência nos atelieres do museu, ficam aqui umas fotos e um texto que escrevi sobre a exposição, um pouco romantizado, pois sim! Passados estes meses já não tenho tanta certeza de esta experiência expositiva tenha resultado. Mas gostei imenso de ter feito isto assim!



Algum tempo no seu ateliê, usou-o, habitou-o. Alguns meses passaram e alguns objectos nasceram.


O tempo passou. As coisas cresceram.



Esta instalação funciona como um mapeamento do método de trabalho usado pelo sujeito que habitou o espaço. São referências que constroem uma projecção de uma ideia final. Referências que ficcionam um projecto. Os objectos, as pinturas, os desenhos, os livros, as tintas acumuladas nas roupas e nos suportes, as fotografias, os discos existem enquanto um todo, fragmentos de um projecto em desenvolvimento, pedaços de uma linha de entendimento, de consciência, de pensamento, criada e percorrida pelo seu executante, em constante estado de estudo e de, como registo do tempo, daqueles meses de trabalho. Encontramos ideias mais ou menos coerentes, amadurecidas e estudadas que fazem parte de um projecto artístico idealizado mas não concluído, não conclusivo, não encerrado, sujeito a mudanças, avanços e recuos onde proliferam um conjunto díspar de assuntos, a partir dos quais podemos apenas imaginar afinidades e pontos de contacto, sem que eles sejam claros ou de todo existentes. Esta colecção de objectos fragmentados indiciam e ficcionam uma espécie de mapa das ideias a desenvolver, dos interesses do artista, das suas memórias, das relações afectivas e emocionais deste com a própria criação, com os seus próximos, com o espaço que o envolve, com o contexto sociológico, político e cultural em que existe. Um processo desenhado na tentativa de criar através destas disparidades formais e teóricas. Como uma tentativa de organizar o caos, fazer existir a partir de fragmentos dispersos, num comparável processo místico genesíaco, não esquecendo todavia a frágil veracidade, a dúbia realidade destes fenómenos esotéricos de compreensão do cosmos e dos seres. O imagético pictórico, a simbologia e os significados presentes neste conjunto de objectos prestam-se a funcionar como metáforas de um entendimento daquilo que é imanente no humano. O conjunto de objectos, para além de constituir um quase diagrama, um dispositivo, um enunciado de ideias e símbolos que na sua leitura conjunta nos podem fazer construir uma ideia sobre a índole, a substância formal e conceptual do trabalho artístico em questão, são num entendimento mais geral e alargado, a prova da vivência de um individuo em determinado espaço e tempo, um sujeito que existe, um sujeito que cria, que faz existir, um Ser Humano. Este ser existente através da sua criação artística traduzida na produção de objectos faz assim uma oferta: a sua criação. Estes objectos estão impregnados dos seus pareceres, das suas ideias, das suas impressões, daquilo que faz o humano sê-lo.



Quais pedras lançadas ao mar na esperança que flutuem, que não se afundem na memória turvada pelo tempo.



Tiago em abril de 2011

segunda-feira, 2 de maio de 2011

"Cabeça de Barro"



Um retrato de um senhor que é de barro. Ele olha admirado com o que lhe está a acontecer. deixo aqui um texto que escrevi há uns tempos sobre estas ideias do barro.


"A série de trabalhos que preparo, centrada especificamente no material que é o barro, vem no seguimento do programa de trabalho desenvolvido até aqui. Programa esse que assenta na construção de imagens onde a ideia de “crise ou cataclismo” está de alguma maneira presente e funciona como uma premissa, como ideia primeira para a criação de imagens, as quais representam uma espécie de “fim de festa” (que pode todavia funcionar como um começo).
Recorro ao uso de um espaço “arruinado” à “omnipresença da ruína”, a lugares que não existem, que são quase lugares do nada, sítios sem função, que foram projectados para determinada acção mas que ficaram desprovidos da sua função a meio do processo civilizacional, a meio de um projecto de desenvolvimento, daí a presença das fábricas que mal funcionam (ou não funcionam de todo), das casas esquecidas, dos caminhos inacabados (ou aproveitados/adaptados da erosão natural), as pedras que foram deixadas ao acaso.
É a partir desta ideia de falha, de interrupção de um processo, de um projecto: um projecto social, político, cultural, religioso, de construção daquilo que é a nossa índole, a nossa personalidade, a nossa existência enquanto seres individuais e colectivos. Tento, no fundo, ter presente a ideia de que há uma falha na construção do projecto que somos nós, que existe um momento em que falhamos e deixamos de ser quem afinal éramos (ou que era desejado que fossemos). É a partir desta ideia falhada de progresso, ou de progresso falhado que encontro a matéria do barro, da lama. Material que adquiriu ao longo do tempo uma simbologia de matéria primordial, de génese, de começo de vida, de criação, da criação do Homem, em particular, mas que simboliza também um “processo de involução” e o “começo da degradação”.
Segundo textos bíblicos Deus disse: “Até que voltes à terra de onde foste tirado porque tu és pó e ao pó voltarás”. A divindade condena o Homem à vida de esforço e privação alertando-o também para a sua fragilidade e efemeridade na terra. Apesar da Humanidade ser feita do pó da própria terra misturada com água e, apesar da terra ser a matéria de origem, ela é também símbolo do fim da nossa existência.
Deus lembra o Homem que este ciclo só existe, porque ele mesmo se permitiu a cria-lo e que portanto também ele tem o poder de o encerrar, de interromper a existência humana. Noutra passagem da bíblia, o barro é novamente usado como matéria que simboliza fragilidade: a da visão do rei Nabucodonosor, que sonha com uma estátua feita de pés de barro e com o corpo composto por vários metais. O rei sonha que os pés deste gigante são “esmigalhados” por uma pedra que vem a rolar e com o embate da pedra nos pés de barro e sua destruição esta criatura é transformada em pó e os seus vestígios levados pelo vento.

A Argila, o barro tem uma estreita relação com o acto criador, com o acto de criar, de construir, de tornar existente, presente.
O oleiro Butades ao preencher a silhueta de um jovem com barro, desenhada na parede pela sua filha, estava a tornar presente a figura deste jovem e a torná-la palpável, ao modelar a face em barro estava ele a criar a existência do jovem que partia para o estrangeiro.
Assim o barro, a argila é matéria de origem, matéria fecunda, elástica, moldável. Porém esta característica de matéria susceptível de ser moldada adquire também o significado de ser um material inconstante, passível de ser corrompido, facilmente modificado, inconsistente e as suas formas facilmente destruídas.
A lama, material composta pela junção da terra com a água tem simbologias antagónicas: do ponto de vista, do pó da terra, é um material fecundo, gerador de vida, se considerarmos a água, simboliza a poluição da pureza.
O Barro encontra na mitologia clássica, cristã, e nas demais crenças religiosas, duplos sentidos que assentam na ideia de origem e de criação do ser humano e tem também o significado da vulnerabilidade, da fraqueza e da inconsistência dos Homens e das suas acções.
Estas pinturas, estas imagens, com estas figuras de “formas amassadas”, estes “corpos de barro”, são “visões” de como seria se os seres humanos devido a uma entidade mística se transformassem em barro. Este material frágil, de consistência dúbia funciona como metáfora da instabilidade, da fraqueza dos Homens, reflexo dos seus comportamentos sociais e das suas decisões.
Recorrendo a este imagético mitológico, religioso, místico, a expressões populares sobre o barro, tento criar pictoricamente imagens que se refiram à dualidade desta matéria, à sua vulnerabilidade perante factores adversos à sua estabilidade, funcionando como metáfora do Homem."


Tiago Baptista, 2011

"Sem-título"



Outra. Um sujeito cansado de mandar o barro a parede. Não pega e ele já quase é de barro!

Exposição em Madrid















Pois foi! Em Fevereiro tive uma exposição em Madrid. Para a qual posteriormente encontrei um nome: “ Degradação dos corpos/ Corpo de Barro”. A mostra durou três ou quatro dias e foi na JustMAD, um solo project da 3+1 Arte Comtemporânea, o espaço era bastante intimista e os outros trabalhos presentes também era bastante interessantes. Ficam aqui algumas fotos tiradas pela Joana Silva com o aspecto da coisa!

"Sem-título"



Uma outra tela sem-título sobre o tema da transformação dos Homens em Barro, fui sugar algumas ideias ao lindissimo livro " DE AETATIBUS MUNDI IMAGINES" do Francisco D'ollanda ( http://www.bne.es/es/Catalogos/BibliotecaDigital/docs/interactivos/libro5/libro.htm ) aqui especificamente à ilustração sobre a criação do Homem, um livro que de resto me tem influenciado imenso nestes últimos tempos.


Vemos aqui um senhor(Deus) a tirar figuras da terra, que conseguem andar um pouco mas logo a seguir voltam ao seu estado de origem e acabam por se desmachar e regressam ao sítio de onde foram tirados.